Para quem vê de fora, Cecília é uma mulher bem sucedida e que ama o que faz. Trabalha como pediatra há muitos anos e possui uma boa rede de pacientes. No entanto, o que o novo romance de Andréa del Fuego deixa claro é como podemos nos enganar pelas aparências. O que se passa na cabeça daqueles com quem convivemos? Será que nos surpreenderíamos se acessássemos os pensamentos do outro, mesmo daqueles que achamos serem tão “normais”?
Em “A pediatra”, estamos lado a lado com Cecília, mergulhados em seus pensamentos. E é isso que choca o leitor desde o início do livro, já que a realidade da personagem é muito distinta do que parece ser. Para começar, Cecília é uma pediatra que não é muito afeita a crianças. Isso mesmo! Além disso, não tem uma paixão por seu trabalho e o enxerga como uma tarefa mecânica, de protocolos, em que basta fazer o que aprendeu e terminar logo com suas obrigações.
Contudo, apesar de ter um consultório sempre cheio, Cecília percebe que os obstretas do hospital em que costuma trabalham passam a deixar de indicá-la para os partos. O novo pediatra neonatal preferido parece ser alguém ligado a uma linha mais humanista, em que nem sempre a ciência parece sustentar suas decisões. Ao mesmo tempo, a protagonista vive uma relação amorosa extremamente conturbada, sobretudo quando descobre que a esposa de seu “parceiro” está grávida.
A partir disso, a vida de Cecília vira de ponta cabeça e a sua rotina aparentemente estável começa a despertar um lado compulsivo da personagem. Com uma escrita irônica e ácida, a autora constrói uma protagonista com pensamentos – e atitudes – polêmicas e que podem causar uma forte estranheza do leitor.
Não posso me arriscar a falar mais sem correr o risco de estragar a surpresa que é conhecer melhor Cecília. Mas, será possível sentir compaixão por uma pessoa com atitudes tão imorais? E o pior: será que nos identificamos com a personagem em alguns momentos? Vale muito a leitura!
“Não tinha filhos, como eu, mas queria ter, diferente de mim. Criança nem pensar, acabaria minha naturalidade, me obrigaria a ser outra pessoa.”