Extraordinário e peculiar. Dois adjetivos para descrever a leitura de “As primas”, um romance argentino que entrou para a lista das melhores leituras dos últimos tempos. A autora publicou a obra com mais de 80 anos, quando ganhou notoriedade pela sua escrita. Aliás, a vida de Aurora Venturini é bem excêntrica e curiosa e, conforme revelado em algumas entrevistas, esta obra conteria traços autobiográficos.
O leitor acompanha Yuna, uma jovem que nasceu em uma casa conturbada. Como acompanhamos os seus pensamentos, ela não precisa esconder o que vem à cabeça… não há filtros na hora de analisar o ambiente e as pessoas a sua volta. Yuna tem uma relação de pouco afeto com a mãe, uma professora que não acredita nos talentos da filha, e sente uma certa raiva de sua irmã, Betina, que é uma pessoa com deficiência. Mas o rol de personagens mulheres que povoam a narrativa é muito mais extenso: avó, tias, primas… cada um com suas esquisitices e chatices, na visão de Yuna. Os homens, por sua vez, têm o triste – mas não surpreendente – hábito de abandonar, deixar tudo para trás.
Esse ambiente caótico ganha uma possibilidade de saída quando a protagonista conhece o professor Camaleón, que acredita no seu potencial para a pintura. Seus quadros são a sua forma de comunicar todos os fantasmas que habitam sua mente e isso a jovem faz com muita habilidade.
Yuna é daquelas personagens tão bem construídas que deixam saudades no leitor. A gente se envolve e acompanha o seu amadurecimento ao longo das páginas. O contraste entre a Yuna do início e do final da obra é emocionante, tanto em relação à linguagem, como ao seu comportamento no ambiente conturbado em que cresceu. O papel da arte também é um aspecto que torna a leitura ainda mais interessante.
Por fim, um dos pontos altos é a escrita de Venturini. Um humor ácido e irônico, sem filtros e com alta capacidade de incomodar um leitor que não separe o que seria uma “opinião” de uma autora e a construção de seu personagem. E como disse a tradutora da obra, @holamarianasanchez, na conversa que tive com ela para o clube do livro, a literatura tem como um dos seus objetivos justamente causar incômodos no leitor. Um livraço!




