Um dos mais importantes escritores húngaros, Sándor Márai constrói um personagem repleto de conflitos e com uma interessantíssima densidade psicológica. Na Budapeste da década de 30, pré Segunda Guerra Mundial, o juiz Kristóf Kömives se depara com o dever de homologar um divórcio de um homem e uma mulher que já cruzaram os seus caminhos. Imre Greiner foi seu colega de escola e Anna Fazekas teve um encontro marcante com Kömives alguns anos antes.
Essa sua tarefa desperta no protagonista diversas reflexões e dúvidas sobre o caráter moral do que precisa fazer como representando do Estado. Homologar um divórcio e destruir uma família seria o correto a fazer? A primeira parte do livro, que carrega um tom muito mais subjetivo e sem grandes acontecimentos, transporta o leitor justamente para os pensamentos conflituosos de Kömives. Ele se incomoda e sofre com o contraste entre o tradicional e o novo, entre o que o Estado lhe obriga a fazer e o que a religião entende como correto, entre o que é o moralmente correto e os desejos do ser humano.
Gostei muito de como o autor conseguiu construir os personagens de forma sólida, retomando a vida do protagonista, de sua esposa e do casal que estava prestes a oficializar o divórcio. Esse processo conseguiu explicar muito dos pensamentos de Kömives, que nasceu em uma família aristocrática, seguindo os passos dos homens que o antecederam, todos bem sucedidos na carreira de magistrado. Ou seja, o protagonista vive o lado que enxerga nas mudanças uma possível ameaça a sua própria condição.
Esse contraste entre progresso e tradição também é refletido na cidade que serve de cenário para a narrativa. Budapeste é dividida pelo rio Danúbio entre Buda, um local que preserva as construções mais antigas e serve de residência para a aristocracia, e Peste, um símbolo do progresso e da modernidade. Em janeiro, no mês da leitura para o clube Bookster pelo Mundo, visitei a capital húngara e pude vivenciar esse contraste. Senti como estivesse caminhando pelos mesmos trajetos seguidos pelo protagonista.
A segunda parte do livro toma um fôlego maior, uma vez que o leitor acompanhará os diálogos entre Kömives e um visitante que aparece em sua casa no meio da madrugada, com uma confissão surpreendente. Esse encontro revolverá o passado e lembranças marcantes do protagonista.
Eu gostei muito da leitura e das reflexões despertadas pelas contradições vividas por Kömives, mas reconheço que a obra mais lenta e introspectiva possa gerar um incômodo em certos leitores. Márai tem uma habilidade incrível de se aprofundar no psicológico dos personagens e de construir diálogos marcantes.




