A literatura portuguesa já conquistou meu coração de leitora há anos, com várias obras entrando para a minha lista de favoritas da vida. O que sempre me incomodou, confesso, era a pouca presença de autoras mulheres nas minhas leituras. O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, estava na minha estante há tempos – e fico muito feliz de finalmente ter dado uma chance a ele. Fui imediatamente envolvido pela narrativa e pela força da temática.
Voltamos à década de 1970, quando Portugal perde as suas colônias do continente africano e precisa receber centenas de milhares de portugueses e seus descendentes que viviam em Angola, Moçambique e outros territórios. É um movimento histórico que eu ainda não tinha encontrado na literatura: a volta de quem, na verdade, nunca tinha ido. Retornar para uma casa que não é sua. Não pertencer.
É justamente esse o caso de Rui, protagonista do romance. Adolescente nascido em Angola, ele cresceu, estudou e construiu laços naquele país. Mas tudo muda com a independência angolana, em 1975. Rui, a mãe e a irmã precisam deixar às pressas o único lugar que ele chamou de casa. O pai permanece em meio à violência, prometendo reencontrá-los em Portugal.
Além do trauma da partida, Rui enfrenta o preconceito contra os “retornados” e o medo constante sobre o futuro. Em Lisboa, a família é realocada em hotéis transformados em centros de acolhimento para quem chega da África. Lugares superlotados, marcados pela incerteza e pela falta do que ficou para trás. O protagonista vive o medo de nunca mais encontrar o seu pai.
Também gostei muito de acompanhar tudo pela perspectiva de um jovem que, apesar do caos ao redor, continua vivendo as banalidades e inquietações da adolescência. Entre o deslocamento e o amadurecimento, Rui ainda sente as vontades e angústias de um garoto da sua idade.
Terminei a leitura admirando a escrita envolvente da autora, o contexto histórico e a profundidade dos personagens. “O retorno” me fez refletir sobre uma temática que eu pouco conhecia e me apresentou uma autora portuguesa potente, que certamente terá lugar cativo na minha estante.



