Publicado em 1919, a novela de Kafka aborda temas ainda muito atuais, sobretudo em uma sociedade conservadora em que a ideia de fazer justiça é vista como uma forma de entretenimento. Já na primeira página da obra, somos apresentados a uma máquina peculiar, um instrumento de execução capaz de marcar na pele do condenado – ou da vítima – os crimes que ele teria supostamente cometido.
E digo supostamente porque, nesse “espetáculo” que dura aproximadamente 12 horas até a execução, o condenado não sabe direito por que está lá. Não lhe dão o direito a entender suas acusações e, muito menos, um direito à defesa. E o que mais choca o leitor é que para o Oficial que opera a máquina, não há nada de errado, já que provavelmente o acusado mentiria se pudesse se defender.
E tudo se passa em uma colônia penal, como o próprio título da obra já indica. No começo do século XX, as colônias penais – prisões construídas em ilhas isoladas – eram ferramentas comumente utilizadas por diversos países para remover da sociedade aqueles cidadãos tidos como indesejáveis. Sem qualquer controle externo, os prisioneiros eram submetidos a punições e torturas.
Mas vale refletir: ainda que as colônias penais tenham deixado de existir, será que nosso sistema prisional está muito diferente? É claro que a máquina mencionada na obra é um extremo da injusta justiça feita pelas próprias mãos. Mas será que as nossas prisões superpopulosas, em condições degradantes, não revelam um sistema interessado unicamente em reprimir ao invés de prevenir?
Apesar de a Constituição assegurar a qualquer cidadão o direito de não ser submetido a tortura ou a tratamento desumano, parte da sociedade aplaude a realidade em que sequer direitos mínimos ao prisioneiro são assegurados. Por isso, o trabalho de Kafka, apesar de chocante, revela um problema extremamente atual e que não pode ficar à margem de uma ilha isolada, esquecida pelo debate político e social.
Recomendo ler nessa edição da @antofagica, com textos de apoio que vão contribuir para a compreensão da obra e das reflexões que ela desperta. Além disso, as ilustrações enriquecem a experiência!