Com apenas 30 anos, o escritor português venceu o Prêmio Saramago com este livro que, de forma gradual, insere o leitor no cenário de um crime chocante e muito dolorido. O fato histórico sobre o qual o romance é construído é verídico: em 2006, Gisberta, uma transexual brasileira, foi torturada e morta por jovens, na cidade de Porto, em Portugal.
Pouco se sabe sobre o que teria motivado os jovens a cometer o assassinato e foi justamente a partir desse vácuo de informações que o autor, se valendo do seu frutífero imaginário, cria sua narrativa. É uma forma de tentar levar ao público um pouco mais da vida de Gisberta e, ao mesmo tempo, dar uma versão para a historia dos agressores, a partir da voz de Rafael.
E talvez o mais chocante é perceber que os agressores não passam de crianças, meninos que vivem semi abandonados em abrigos da cidade. Em nenhum momento o autor tenta justificar o ocorrido, mas o que faz é ao menos dar uma visão sobre a realidade vivida pelos garotos. Em Porto, é no esqueleto de um prédio abandonado que os jovens começam a criar uma relação com Gisberta, uma relação que oscila entre admiração e repulsa e termina de forma trágica. Confesso que os últimos capítulos são de difícil leitura por conta da crueldade que envolveu o crime…
Também vale dizer que, por ser escrito em “português de Portugal”, senti um pouco de estranheza nas primeiras 50 páginas, o que talvez até tenha dificultado a minha conexão com a leitura. Mas, ao poucos, me acostumei e logo passei a ficar muito ligado à conflituosa relação dos garotos com Gisberta, sofrendo por um final que já estava marcado nos jornais e na belíssima música gravada por Maria Bethania (“Balada de Gisberta”).
Além de permitir ao leitor uma experiência literária marcante, “Pão de Açúcar” também exerce um papel necessário na denúncia das consequências brutais que uma sociedade preconceituosa pode trazer para a vida de uma cidadã inocente e marginalizada. Gisberta vive nessas páginas.