Eu gosto muito da escrita do Gabo, da forma com que ele cria enredos simples, até cômicos, mas ao mesmo constrói ambientes riquíssimos e desenvolve personagens marcantes. São narrativas tão gostosas de ler e, ao mesmo tempo, responsáveis por despertar reflexões sobre relações humanas, problemas sociais e peculiaridades da nossa condição.
Em “Ninguém escreve ao Coronel”, o destaque vai para a forma com que a velhice é retratada. Como se aos poucos passássemos a ser esquecidos, tanto pelos que estão à nossa volta, como também pela própria sociedade. Toda semana, o Coronel aposentado vai ao correio na esperança de receber o que lhe era de direito: o pagamento de sua pensão. São tantos anos de espera, que em cada retorno para casa o personagem tenta se convencer de que algum novo problema pode ter ocorrido. A verdade é: qual o real valor do trabalhador que não tem mais utilidade? É o abandono social, uma questão ainda muito atual…
E essa espera não é uma mera distração para a sua velhice entendida. É uma necessidade. As suas reservas vão desaparecendo. Os imóveis e objetos da casa vão sendo vendidos e, aos poucos, a sensação é que até a esposa com quem convive vai definhando. O medo da fome faz parte do dia a dia daquela casa.
Em paralelo, há também uma certa obsessão do Coronel por um galo de rinha que pertencia ao filho que faleceu. Todas as energias e recursos acabam se voltando para o pobre animal, como se assim o Coronel conseguisse deixar viva uma memória de seu filho.
É uma leitura rápida, cômica, mas não pouco sofrida. Escrita aos 29 anos, esse livro é uma boa amostra da genialidade das obras posteriores que Gabo viria a escrever ao longo de sua vida.
Trecho:
“- As ilusões não se comem – respondeu ela.
– Não se comem, mas alimentam – retorquiu o coronel.”