O genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994, é um dos episódios mais tristes e brutais sobre os que já li. Cerca de 1 milhão de pessoas foram mortas em apenas 100 dias. Além disso, ter visitado o país em 2019 me permitiu ver de perto como esse acontecimento está marcado profundamente na sociedade, ao mesmo tempo que Ruanda vem demonstrado um forte exemplo de reestruturação social e econômica no continente africano.
Scholastique Mukasonga é ruandesa de origem Tutsi e, apesar de ter conseguido fugir e sobreviver ao genocídio, perdeu diversos membros da sua família. Em “Nossa Senhora do Nilo, Mukasonga se distancia do centro dos acontecimentos de 1994 e nos leva a um liceu católico de meninas, situada nos altos das montanhas da bacia do Nilo. Estamos anos antes ao massacre, mas já conseguimos enxergar no próprio microcosmo da escola como a segregação de etnias foi sendo construída no seio da sociedade ruandesa.
O liceu adota um sistema de cotas, em que 10% das vagas são separadas para as alunas da etnia Tutsi, a qual foi vítima dos crimes e das perseguições que culminaram no genocídio. As meninas, que vivem em uma sociedade machista e patriarcal, devem se submeter a rígidas regras impostas pelas freiras que controlam a instituição. As garotas Tutsis ainda sofrem com a crescente discriminação e desprezo das suas colegas.
A igreja é retratada de mãos atadas – e às vezes até apoiando o regime dos Hutus – em uma situação de extrema injustiça. A preocupação era muito mais de tentar catolicizar os ruandesas, tornando abomináveis qualquer culto às antigas tradições, do que proteger quem necessitava. Também é possível notar a inércia dos antigos colonizadores, representados pelos professores da instituição, diante do perigo que parte de suas alunas enfrentava. É um reflexo do comportamento dos países desenvolvidos no início da década de 90.
Vale pontuar que o livro não é focado apenas em acontecimentos. A autora se dedica a apresentar ao leitor características da sociedade ruandesa daquela época. Uma ótima introdução ao cenário que culminou na guerra civil e no genocídio de 10% da população ruandesa.