Nas poucas páginas que compõem esse livro, fica evidente a genialidade do autor português – característica que eu já tinha escutado de outros leitores. A obra foge totalmente daquele conceito de romance que estamos acostumados a ler. Ela inova tanto na forma, como no conteúdo, usando uma premissa questionadora para construir a narrativa: “Numa sociedade dominada pelo materialismo, as famílias têm artistas em vez de animais de estimação”.
Digo questionadora porque a obra me fez refletir muito sobre os valores e a forma de vida das novas gerações – nas quais eu me incluo. Pode-se até classificar a história como uma distopia, já que, na sociedade apresentada por Afonso Cruz, o ideal utilitarista domina as ações individuais. A subjetividade perde totalmente seu espaço, dando lugar a um pensamento objetivo, exato e racional. Tudo é mensurado e calculado. O consumo deve ser sempre estimulado. No meio dessa inversão de valores, denunciada de forma inteligente e bem-humorada, é que os personagens passam a questionar a utilidade da arte.
Ora, para que serve uma manifestação como essa? Arte e cultura são uma contradição tão hedionda ao modo de pensar dessa sociedade que a função de um poeta sequer consegue entrar na cabeça desses seres tão matemáticos. E fazendo esse esforço, os personagens logo precisam colocar essa figura exótica e subversiva no meio da cadeia consumidora: vamos COMPRAR um poeta!
Além de ser um romance muito bem escrito e inovador, que fez acabar meus marcadores, o apêndice escrito por Afonso Cruz fecha a obra com chave de ouro, revelando ao leitor a importância da arte e cultura para o desenvolvimento de uma sociedade mais humana. Leitura para se fazer em pouco dias, mas que ficará marcada por bastante tempo, acendendo a vontade de cair de cabeça nas demais obras do autor.